História
Nos anos 1920 a Rainha da Floresta mostrou para Raimundo Irineu Serra, o Mestre Irineu, uma Doutrina contida na Floresta e deu a ele a missão de chefiá-la. Hoje em dia, sabemos que ela é a Doutrina do Santo Daime, o Cristianismo Mariano da Nova Era.
Em quase um século de história, foram fundadas comunidades daimistas nos quatro cantos do mundo, afirmando a necessidade da transformação da consciência humana pelo amor, pelo autoconhecimento e pelo respeito à natureza, expressão material da nossa Mãe Divina.
Uma dessas comunidades é o Céu do Gamarra, construída sobre as rochas da Serra da Mantiqueira no sul de Minas Gerais, e que tem como propósito manter viva a Doutrina plantada por Mestre Irineu e entregue aos líderes Suzana e Fabio Pedalino pelo padrinho Sebastião e sua esposa madrinha Rita.
Raimundo Irineu Serra nasceu na cidade maranhense de São Vicente Férrer no dia 15 de dezembro de 1892. Seu berço foi uma família humilde, descendente de negros africanos que foram escravizados no Brasil. Quando adulto, tornou-se um homem de força física e tamanho excepcionais, medindo 1,98 metros de altura e calçando 48, o que ainda era pouco se comparado à grandeza de sua missão e de seu espírito.
Como a vida material era difícil naquela terra, ainda jovem Irineu tomou o rumo de muitos outros nordestinos de sua geração e migrou para o Norte do país em busca de emprego. Lá, na região Amazônica, trabalhou por um tempo na seringa até ingressar no exército. Como militar, foi encaminhado para a Comissão de Limites, responsável pelo desenho da fronteira do nascente estado do Acre com os países vizinhos.
Nesse serviço, Irineu viajou por muitos lugares e conheceu muitas pessoas, entre elas os irmãos André e Antônio Costa, que lhe falaram da Ayahuasca e o convidaram para participar de uma sessão. Isso tudo aconteceu quando eles estavam por entre a cidade de Brasileia e o Peru.
A princípio, Irineu teve receio de participar da sessão pois a Ayahuasca era vista pelo povo com desconfiança, um fruto da ignorância e do preconceito, refletindo na própria percepção dele sobre a bebida. Entretanto, decidiu por conhecer essa sagrada bebida para então decidir por si mesmo se ela era algo bom ou não.
O Mestre gostou muito da Ayahuasca e sentiu muitas coisas boas! E assim continuou participando das sessões.
Um dia o Mestre colheu ele mesmo o cipó e folha e fez a bebida, a qual tomou com seu amigo Antônio Costa na casinha que dividiam em Brasileia. Quando a força chegou, Antônio Costa disse que uma mulher chamada Clara que afirmava estar acompanhando o Mestre desde o Maranhão, queria com ele conversar. O Mestre aceitou o convite e ela passou por Antônio o recado que o encontraria da próxima vez que ele tomasse a bebida.
E assim aconteceu. Certo dia o Mestre, preparado para o encontro…
…tomou Daime e de onde estava deitado ficava fitando a lua. Lá vem, lá vem, lá vem e a lua ficou bem pertinho dele. Agora dentro da lua ele avistava sentada em uma poltrona, uma senhora divina mesmo. Aí então ela falou para ele: “quem é que tu achas que eu sou?” Ele olhou e disse: “para mim a senhora é uma Deusa Universal”. Ela falou: “tu tem coragem de me chamar de Satanás, isso e aquilo outro?” Ele respondeu: “não, a senhora é uma Deusa Universal”. Ela ainda falou: “tu achas que o que tu está vendo agora, alguém já viu?” O mestre Irineu refletiu e achou que alguém já podia ter visto, tantos que faziam a bebida, que ele podia estar vendo o resto. A senhora então disse: “O que você está vendo agora, nunca ninguém jamais viu, só tu. E eu vou te entregar esse mundo para tu governar. Agora tu vai se preparar, porque eu não vou te entregar agora. Vai ter uma preparação para ver se você tem merecer verdadeiramente. Você vai passar oito dias comendo só macaxeira cozida insossa, com água e mais nada. Também não pode ver mulher, nem uma saia de mulher a mil metros de distância.*
Irineu acolheu Suas ordens e foi para a mata, onde foi iniciado por Clara. Nesse tempo ele passou por provações espirituais, aprendeu segredos ocultos da mata e do mundo e enfrentou e conheceu entidades espirituais. No oitavo dia, Clara retornou e deu para Irineu o dom de curador e a missão de fundar a Doutrina do Santo Daime. Entregou a ele uma laranja, que representava o mundo que ele iria doutrinar, e se apresentou como a Rainha da Floresta, a Nossa Senhora da Conceição do coração da humanidade.
Aí a história do Santo Daime se diferencia daquela da ayahuasca. O sacramento do Daime é um Vinho e não um chá e se liga à essa Doutrina entregue à Virgem da Conceição, enquanto a ayahuasca permanece como um sacramento sagrado de muitos povos indígenas da Amazônia Ocidental, especialmente ligado ao contato com seus ancestrais. As plantas podem ser as mesmas, mas o feitio e o caráter esotérico delas as diferencia.
“A minha Mãe é a Lua Cheia
É a estrela que me guia”
Hino 40 d’ O Cruzeiro Universal do Mestre Irineu
Isso tudo aconteceu nos anos 1920. Depois da iniciação, o Mestre fundou e trabalhou com os irmãos Costa no CRF (Centro Regeneração e Fé), no qual faziam trabalhos espirituais com ayahuasca. Foi um período de imenso aprendizado e também difícil, com muita perseguição policial, pois o preconceito era ainda grande.
Algum tempo depois, porém, o Mestre deixou os irmãos Costa para seguir seu caminho e iniciar a Doutrina do Santo Daime propriamente dita. Foi parte dessa preparação o tempo que passou sem consagrar a bebida, trabalhando no exército, construindo uma base material sólida e estabelecendo contatos importantes para a proteção do Santo Sacramento do preconceito e da perseguição.
Foi em Rio Branco que o Mestre foi oficial do exército e foi lá que começou os primeiros trabalhos do Santo Daime. No começo sozinho e depois com alguns amigos próximos como Germano Guilherme, maninho para o Mestre, tão querido a ele.
Aos poucos ele foi abrindo a história na sua própria casa. Nesse tempo ele morava num bairro de Rio Branco chamado Vila Ivonete. Aos poucos a palavra sobre os milagres da bebida do Mestre e dos seus dons de curador foram se espalhando pela cidade de Rio Branco e o número de pessoas que frequentavam sua casa ia crescendo. Quem se curava ou tinha um ente querido curado, tratava logo de virar seguidor do Mestre, carregando toda a família e carregando as boas novas! Foi assim que o Mestre também fez amizade com muitos políticos importantes de Rio Branco que usaram de suas posições para proteger o Mestre, seus seguidores e a Doutrina do Santo Daime.
No início os trabalhos eram bem diferentes do que eram hoje, porque não havia hinário! As pessoas se reuniam, consagravam o Santo Daime, e ficavam em posição de meditação, recebendo as instruções divinas. Por vezes o Mestre chamava a força usando chamados, assobios ou melodias que ele tinha aprendido diretamente com a Rainha da Floresta e que serviam para a cura física, emocional e espiritual dos necessitados.
Irineu era Mestre, padrinho e professor daquele povo que se reunia a sua volta e o Santo Daime se desenvolvia como uma escola com ele passando ao povo as lições dessa cartilha do ABC espiritual.
Aos poucos essa cartilha enriqueceu! Pois o Mestre começou a receber seu hinário, O Cruzeiro Universal. A história foi assim:
Até então não se cantava,
Era tomar Daime e concentrar,
E só prestando atenção
É que se poderia notar
Que o Mestre solfejava
Para a forma chamar.
A Rainha na miração disse:
– A coisa vai modificar
Cantando esta Doutrina
Você vai apresentar.
– Como minha Mãe,
não tenho voz para cantar?
– Você pode, sim senhor,
Faça o que eu estou mandando,
Vamos abra logo a boca,
A condição estou te dando,
E foi só ele obedecer
Que já saiu logo cantando….
…o seguinte hino:
Deus te salve, Ó Lua Branca!
Da luz tão prateada
Tu sois minha protetora
De Deus tu sois estimada.
[Hino completo: http://www.nossairmandade.com/hymn.php?hid=191]
Foi o primeiro hino da Doutrina do Santo Daime. Depois disso, o Mestre ainda pediu permissão para que a Virgem Mãe entregasse aos seus irmãos a dádiva de também receberem essas músicas divinas e assim Ela o fez. Os hinários de Germano Guilherme, Maria Marques, Antônio Gomes e João Pereira, seus discípulos naqueles tempos iniciais, são cantados até hoje pela irmandade daimista e seguidores do mundo inteiro recebem hinos divinos até hoje.
Com os hinos as seções de Daime se tornaram um pouco diferentes. Além de concentrar, também se cantava! E nos dias Santos o Mestre e sua irmandade se reunia para cantar os hinos. O primeiro desses festejos foi o de São João, no dia xxxxx na casa de Maria Marques, que tinha um quintal bem grande para receber aquela irmandade cada vez mais numerosa.
Entretanto, a cidade de Rio Branco crescia cada vez e a Vila Ivonete já não era mais um bom lugar para se manter a história da Doutrina. Com ajuda de um amigo, comprou um lote de terra ainda ali em Rio Branco, na Vila Custódio Freire. Lá realizou um sonho antigo de lotear as terras para fazer uma Colônia para seus seguidores, que tanto precisavam de um pedacinho de terra para seu sustento.
A maior parte dos seguidores do Mestre – e mesmo de moradores de Rio Branco – eram ex-seringueiros. Além de estarem longe de suas terras natais e muitos sem perspectiva de emprego, pois a seringa era um mercado falido, carregavam muito sofrimento e cansaço dos tempos da seringa e o Mestre sabia disso pois ele também trabalhou nesse mercado. O Santo Daime foi alimento e alento material e espiritual para esse povo que tanto necessitava. Povo forte, de fibra, que estabeleceu a Doutrina sobre uma base sólida. Muita gratidão devemos a eles.
O Mestre mesmo, homem de grande força física, esteve a frente da abertura de muitos roçados e na elevação de construções. Ele trabalhava muito!
O primeiro trabalho de hinário na Custódio Freire foi de São João! Como não havia espaço na casa de Irineu pra receber tanta gente, o trabalho aconteceu embaixo de uma enorme laranjeira que ficava ao lado de sua casa.
Laranjeira carregada
De laranja boa
Assim é algumas pessoas
Hino 60 do hinário O Cruzeiro do Mestre Irineu
Foi na Custódio Freire que o Mestre se empenhou em institucionalizar o Santo Daime, pensando na proteção da Doutrina e da irmandade para quando ele não estivesse mais presente em carne. Seu nome é Centro Iluminação Cristã Universal Alto Santo (CICLU-Alto Santo) e hoje em dia é dirigida pela viúva do Mestre D. Peregrina Gomes.
Os anos se passaram e o Mestre foi definindo a liturgia do Daime e deixando seus ensinamentos. No final da vida ganhou grande poder da Virgem Mãe, a Verdadeira riqueza, despertando sua essência Mestre Império Juramidam. Assim ele pode não estar mais vivo em matéria, mas permanece em espírito na nossa Sagrada Bebida, como o Espírito Consolador que ele o é.
“Muitos pensam que é falecido
Mas é vivo meu São Irineu”
Hino 23 do Hinário Daime Sorrindo de Raulino da Silva
Deixou para nós seu hinário O Cruzeiro Universal, com 129 hinos. Nele está toda a base esotérica da Doutrina do Santo Daime. O estudando de coração podemos alcançar verdadeira riqueza. É tomando Daime e cantando hinário que os daimistas agradecem pela vida, louvam à Rainha da Floreste, ao Mestre Irineu e todos Seres Divinos e galgam o autoconhecimento e a cura pessoal e dos irmãos e irmãs. A Doutrina é caridade, alento e Vida para a humanidade.
“A Rainha da Floresta
Vós venha receber
Estes cânticos aqui na mata
Que eu venho oferecer”
Hino 61 d’O Cruzeiro Universal do Mestre Irineu
Apesar de sua origem humilde, o Mestre foi uma pessoa de grande sabedoria, nos deixando como grande mensagem a pureza no amor pela natureza e por nossa Divina Mãe, a Rainha da Floresta. Muitos foram e são seus discípulos que hoje se espalham por todo planeta o que é devido, de forma especial, a uma querida família de discípulos: os Mota de Melo.
Trabalho de hinário com o Mestre Irineu presente
O amazonense Sebastião Mota de Melo, o padrinho Sebastião, foi uma das tantas pessoas que cruzaram o caminho do Mestre e do Santo Daime, tiveram sua vida transformada e levaram toda a família até ele, tornando-se todos seus seguidores.
Desde jovem ele já era ligado à espiritualidade, tendo atuado por muitos anos como médium espírita recebendo em seu aparelho o espírito do doutor Bezerra de Menezes e com ele fazendo trabalho de caridade. Foi nesse caminho que, certo dia, seu mestre kardecista disse que ele deveria ir para o Acre pois lá estaria sua missão. Juntou-se com a família e para lá ele partiu, passando a viver na Colônia Cinco Mil, onde parte da família de sua esposa Rita Gregório de Melo, a madrinha Rita, já vivia.
O padrinho sempre trabalhou muito e desde muito cedo, o que acabou forçando seu corpo físico e assim muitas vezes ele adoeceu. Foi, inclusive, uma grave doença que aproximou o padrinho do Mestre Irineu.
Já muito doente e desenganado ouviu falar do Mestre Irineu, cuja fama na região já era grande! Assim, ele tomou coragem e partiu para o Alto Santo, onde foi recebido pelo Mestre que o botou para participar da seção na qual recebeu sua cura.
Com a cura recebida, o padrinho passou a frequentar o Alto Santo com sua família e quanto mais o tempo passava, mais crescia seu carinho e sua gratidão pela Doutrina do Santo Daime. Se tornaram discípulos dedicados e o Mestre chegou a liberar o padrinho Sebastião para fazer feitios na Colônia Cinco Mil e alguns trabalhos de Concentração.
Após a passagem do Mestre Irineu para o mundo espiritual, o padrinho Sebastião e sua família deixaram o Alto Santo para iniciarem uma nova fase na Doutrina do Santo Daime, responsável pelo seu crescimento e expansão para os quatro cantos do mundo! Assim eles receberam na Colônia Cinco Mil viajantes de todo o Brasil e de diversas partes do mundo e através deles fundaram igrejas do Santo Daime por todos os cantos e com sua ajuda fundaram o Céu do Mapiá, no Igarapé Mapiá, na terra natal do padrinho: o Amazonas, em busca de uma vida mais próxima a natureza.
O padrinho Sebastião para os daimistas os hinários O Justiceiro e a Nova Jerusalém. Sua esposa, a madrinha Rita, nos presenteou com o hinário Lua Branca. Essa família, tão importante na expansão do Santo Daime, nos ensinou com sua força e seus cantos o valor da vida em comunidade, da vida na natureza e do trabalho material e espiritual. A força do padrinho é a força da sua Amazônia tão amada, com suas árvores, bichos, flores, igarapés e enormes rios.
Foi no ano de 1985 que os cariocas Fabio e Suzana Pedalino conheceram o Santo Daime. Para os dois a Doutrina foi um presente muito especial que receberam com grande amor, a ponto de darem a ela o lugar na proa de suas vidas.
Em 1987 eles conheceram o padrinho Sebastião e a madrinha Rita no Rio de Janeiro e deles receberam uma missão muito especial: a de construírem uma igreja na qual a Doutrina deveria ser mantida viva e fiel à sua origem.
Desde sua fundação, em 13 de setembro de 1987, muitas pessoas foram recebidas pela família Pedalino no Céu do Gamarra, cuja história completa pode ser acessada aqui.
Os hinos do padrinho Fabio e da madrinha Suzana, coração desta Igreja, estão disponíveis aqui.
* FRÓES, Vera. Santo Daime. Cultura Amazônica: História do Povo Juramidam. Manaus: Suframa, 1986. Trecho: p. 33 e 34
** DO NASCIMENTO, Saturnino Brito. No Brilho da Lua Branca. Brasil: Fundação Garibaldi, 2005. Trecho: p.
Trabalhos Espirituais
No Santo Daime, os rituais ou sessões espirituais são chamadas de Trabalho e existem diferentes tipos de trabalho que são distribuídos ao longo do ano em um calendário litúrgico.
Trabalho é transformação. Como quando cozinhamos transformamos os alimentos em uma refeição através do nosso trabalho físico, no Trabalho Espiritual somos capazes de nos transformar. Silenciando nosso ego e expandindo nosso coração, somos capazes de grandes transformações e curas.
Cada trabalho que participamos é uma chance de uma nova lição e de uma nova transformação. Para os trabalhos, como o Mestre Irineu nos diz:
“Firmeza no pensamento
Para seguir no caminho
Embora que não aprenda muito,
Aprenda sempre um bocadinho.”
(Hino 71 do hinário O Cruzeiro Universal do Mestre Irineu)
As pessoas que decidiram por fazer parte da Doutrina do Santo Daime são chamadas de fardadas, pois usam uma roupa ritual especial durante os Trabalhos que é a Farda, que são duas: a farda branca, para Trabalhos Festivos, e a farda azul, para Concentrações, Missas e Orações. Homens e mulheres tem fardas específicas.
Fardados(as) e não fardados(as) participam dos Trabalhos da mesma forma. Ambos consagram o Daime e cantam hinário. A diferença é que quem se farda tomou para si a missão de seguir na Doutrina do Santo Daime como um Soldado da Rainha da Floresta, buscando sempre uma postura condizente à essa missão tão importante.
Saiba mais sobre os diferentes rituais da doutrina do Santo Daime.